segunda-feira, 24 de novembro de 2008

GREVE JUSTA

GREVE JUSTA

O magistério estadual gaúcho entrou em greve. Mas o governo achou-seincompreendido. Dado que uma lei federal estabeleceu piso salarial,como salário inicial, no valor de R$ 950,00, as autoridades do RioGrande do Sul trataram de interpretar de outra forma o espírito dessamedida, contrariando o bom senso e a língua portuguesa, para defenderos interesses dos nossos professores. Não entenderam? Acham que estouficando louco? Explicarei. O governo gaúcho ficou preocupado com apossibilidade de os professores começarem a ganhar um pouco mais. Nemse trata de ganhar bem, muito bem ou suficientemente. É bem maissimples. Ganhar a partir de R$ 950,00 complica.Esmiuçarei o que parece serem as razões profundas, embora jamaisreveladas, dos nossos representantes e gestores. As razõessuperficiais são conhecidas: falta de recursos, sistema inchado enecessidade de não abalar o ajuste fiscal em curso. As razões que aquichamo de profundas são mais interessantes. Se um professor em começode carreira ganhar R$ 950,00, quanto receberá, acrescentando-sevantagens, um profissional com 20 anos de carreira? Pode, quem sabe,chegar a R$ 2 mil. Já imaginaram? Aí se tornaria perigoso. Professorcom salário razoável pode começar a fazer coisas impensadas, tomaratitudes impulsivas, agir de modo precipitado.Entre as ações perigosas que podem resultar de uma elevaçãosubstancial de salário encontram-se ir ao cinema com mais freqüência(ou simplesmente ir ao cinema), comprar música e, pasmem, adquirirbraçadas de obras na Feira do Livro. Bem, braçadas mesmo, convenhamos,não daria, salvo em balaios, mas ainda assim haveria o risco de umaumento vertiginoso na aquisição de livros. É sabido que professorescom muita leitura causam problemas. Ficam sabichões, até arrogantes,ensinam melhor e podem até fazer com que os alunos de escolas públicasse tornem verdadeiros concorrentes de alunos de escolas privadas emvestibulares ou outros gêneros de concursos. Ouvi dizer, embora semconfirmação, que já tinha professor pensando em viajar graças ao pisosalarial (salário inicial). Não deve ser verdade. Livros e viagens jáé demais!Outro item contestado pelos nossos protetores diz respeito ao temponecessário para atividades fora de sala de aula (preparação, correçãode provas e outros passatempos levados para casa). Segundo o governo,isso exigiria contratar mais 27 mil professores. Não haveria dinheiropara isso. Sugere-se, então, que o magistério continue a praticar umatradição de sacrifício, trabalhando de graça no aconchego do lar pelobem público e pelo sacerdócio do ensino. Afinal, ser professor deveser padecer na sala de aula e ainda levar trabalho para casa. Claroque os governantes não se reconhecerão nestas linhas. Mesmo assim,frios e estatísticos, pedirão como sempre cautela, pragmatismo erealismo a quem passa a vida esperando o famoso 'agora vai'. Aí,quando vai um pouquinho, inacreditavelmente, o governo não quer pagar.A greve só podia ser justa. Mais do que isso, justíssima, legítima,além, claro, de ser legal. Em governo de intelectual, costuma serassim: a educação fica em segundo lugar mesmo parecendo estar emprimeiro. Foi assim com FHC. As universidades públicas foramabandonadas. No Rio Grande do Sul, educação e cultura só têm levadotranco. Quando não tem outro jeito, é preciso meter o pé na porta.Piso é salário inicial.
arte pedro dreher sobre fotos cp memóriajuremir@correiodopovo.com.br